Tormento eterno. –
Perambulando por um desses bairros infestados de cortiços para estudantes
(essas pensões, porões e outros cubículos que mesmo os ratos sabiamente
evitam), deparo-me com a seguinte inscrição, muito simplesmente pintada sobre o
portão de uma residência: “O trabalho é o sentido da vida”. Quer pela forma
epigráfica, quer pelo conteúdo edificante, essa frase trouxe-me imediatamente à
memória duas outras: “Labor omnia vincit” (Virgílio: “o trabalho tudo vence”) e
“Arbeit macht frei” (ironia macabra: “o trabalho liberta”), inscritas,
respectivamente, à entrada de uma escola numa cidade vizinha e de um campo de
concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. O que leva essa moral
para burros de carga, expressa de forma concisa nessas inscrições, a ter uma
difusão tão ampla e universal? Mera coincidência fortuita? Ou será que o campo
de concentração está mais próximo da escola do que se imagina? Seja como for,
parece que é só por meio de instituições que infligem medo e disciplina que o
homem moderno, (e o pós-moderno também, se quiserem) consegue aceitar sua
inevitável condição de escravo (ôpa! Que falta de sutileza – eu quis dizer
“trabalhador livre...”): é esse homem que inventa lemas estúpidos para
justificar os absurdos que violentam sua existência, seja o trabalho ou o que
for. Mesmo na Idade Média, injustamente cognominada “idade das trevas”, não se
trabalhava tanto quanto na atualidade, donde não é difícil concluir que o
“desenvolvimento tecnológico” em nada contribuiu para livrar o homem da
maldição bíblica. Pelo contrário: fala-se hoje, com espantosa naturalidade, em
“correr atrás da máquina”. Ora, uma vida que não pode ser simplesmente vivida,
mas que precisa ser “ganha” – e sempre mais penosamente –, já não é mais vida:
é uma corrida insana, absolutamente destituída de sentido. E é para essa
corrida louca que o “sistema” nos convoca com insistência sempre renovada. Basta
abrir um jornal ou ligar a televisão e lá está: “Todos devem se modernizar se
quiserem sobreviver no mercado de trabalho”, afirma, sem pensar duas vezes, um
fedelho favelado de 14 anos num jornal qualquer; “precisamos nos modernizar”,
repete uma velhota semicaduca num desses telejornais. Para um ser que se
autodenomina “humano”, qualquer “sentido” que possa ser dado pelo trabalho
parece-me ainda demasiado inumano e mesquinho; adquirir habilidades para melhor
vender-se no bordel globalizado (há quem chame isso de “papel fundamental da
educação para o terceiro milênio”), tampouco é índice de alguma dignidade.
Sugiro, aliás, que os crentes na “dignidade do trabalho” observem atentamente
qualquer trabalhador, seja um vendedor, um professor, um pedreiro ou qualquer
outro: verão, freqüentemente, algo de animal espancado em seu olhar... Talvez o
mitológico Sísifo tenha algo a nos dizer sobre esse assunto. Afinal, de trabalho
ele entende: condenado pelos deuses a empurrar eternamente uma gigantesca pedra
montanha acima, a mesma rola montanha abaixo mal Sísifo chega ao topo. E lá vai
ele de novo, outra vez, e sempre mais uma vez. Se algum lema orna a morada de
Sísifo nos Infernos, só pode ser este: “O trabalho é o sem sentido da vida”.
(Renato Zwick)
Curta de Animação – Emprego:
Café Filosófico - "O Trabalho" Marcos Cavalcanti:
ENTREVISTA DE EMPREGO:
“Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence”.(Bertolt Brecht)
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