Cena clássica do filme. |
Apocalypse Now (1979) ilustra, a
partir de uma linguagem poética, inspirada em Joseph Conrad, o Real que nos
aniquila. Somente em poesia, podemos contar deste Real. É um filme que traz a
tona a inquietação existencial e o desregramento de indivíduos confrontados com
a ruptura dos laços sociais. É um filme que fala de uma loucura... Ela é
quase um delírio, caso houvesse uma outra voz, porém o narrador parece
trabalhar para um Outro, que está mais próximo do discurso Perverso,
então, não há delírio mas, uma escravidão voluntária que produz loucura e
desordem, eis a obediência total, seja ela em nome de um sistema, seja em nome do
fanatismo. Escravo das pulsões primitivas? Um dos personagens nos diz, “A
dialética é muito simples, na lógica dialética só existe amor e ódio”. “Temos o
direito de matar, mas não de julgar”.
Marlon Brando, nas filmagens. |
O filme é o resultado de uma visão, visão de um quadro revelador da
condição humana na sua travessia para uma margem outra, travessia fundada
também pelo relato como se este fosse reflexo desta água vida navegada.
“Não eram monstros, eram homens... É preciso homens que tenham moral e, ao mesmo tempo, conservem seus instintos para matar e que não tenham julgamentos, pois é o julgamento que nos derrota”.(Personagem do Coronel Kurtz)
Marlon Brando. |
A guerra do Vietnã, a guerra em si, é vista no filme como metáfora de uma perda – perda completa das humanidades. Não existe
humanidade na guerra, talvez, nem mesmo nisto que é humano. "É um horror, horror!" Toda é qualquer guerra é a perda da
linguagem. O filme mostra o homem – o homem impregnado de vida e morte,
impregnado do horror verdadeiro da existência em todas as suas eras.
Francis Ford Coppola nas filmagens de Apocalypse Now. |
A poesia de T.S. Eliot diz tudo que
não queremos ouvir e, quando supomos ouvir, erroneamente interpretamos (Poesia citada pelo personagem, Coronel Kurtz):
The Hollow Men
I
Nós somos os homens vazios
Somos os homens de palha
Apoiados uns nos outros
A parte da cabeça cheia de palha. Ai
As nossas vozes foram secas e quando
Juntos sussurramos
São serenas e sem sentido
Como vento em erva seca
Ou pés de ratos sobre vidro partido
Na secura da nossa cave
Molde sem forma, tonalidade sem cor,
Força paralisada, gesto sem movimento;
Os que cruzaram
Com os olhos certeiros, para o outro reino da morte
Lembram-se de nós - quem sabe - não de
Violentas almas perdidas, mas somente
De homens vazios
Homens de palha.
II
Olhos que não ouso encontrar em sonhos
No imaginário reino da morte
Esses não aparecem:
Aí, os olhos são
Luz do sol numa coluna quebrada
Aí, uma árvore balança.
E há vozes
No cantar do vento
Mais distantes e mais solenes
Que uma estrela em fuga
Sem estar mais perto
No imaginário reino da morte
Que eu use também
Disfarces deliberados
Pêlo de rato, pele de corvo, estacas em cruz
Numa seara
Portar-me como o vento se porta
Mais perto não,
Não esse encontro final
No reino crepuscular.
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra de cactos
Aqui as imagens de pedra
Erguem-se, aqui recebem
Em súplica a mão do morto
Na fuga de uma estrela que cintila.
Será mesmo assim
No outro reino da morte
Acordar sozinho na hora em que
Trememos de ternura
Os lábios capazes de um beijo
Formam preces a pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Não há olhos aqui
Neste vale de estrelas a morrer
Neste vale vazio
Este queixo quebrado dos nossos reinos perdidos
Neste último dos lugares de encontro
Em conjunto tateamos
E evitamos a fala
Amontoados nesta praia do túmido rio
Sem ver, a menos que
Reapareçam os olhos
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino crepuscular da morte
A esperança só
De homens ocos.
(T. S. Eliot, Quarta-Feira de Cinzas, trad. João Paulo
Feliciano, Hiena Ed., Lisboa, 1994, ed.bil.)
Assistir Filme Online:
Apocalypse Now não é só um filme de guerra para assistir tomando cerveja. É preciso beber da realidade para assisti-lo.
Um comentário:
às vésperas de uma nova guerra capitaneada pelos EUA... Triste!
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