Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Rosa Luxemburgo Vida, Obra e Filme:




Procurava por biografias, foi quando me deparei com Rosa Luxemburgo – só o nome dela, já nos parece inspirador –.  Não possuo conhecimento político sobre esta mulher, que em 1900 fazia ebulir o movimento revolucionário de esquerda. Assisti o filme biográfico “Rosa Luxemburgo” da diretora Margarethe von Trotta e, confesso, de forma envergonhada que este foi meu primeiro momento de clareira do desconhecido, um “aprofundar” raso, mas, curioso.



Filme Rosa Luxemburgo:




O nome Rosa Luxemburgo sempre me foi conhecido, mas sua vida e sua obra, não haviam despertado, ainda o meu interesse, talvez, justamente, por ter ouvido tantas vezes citarem-na de forma banal, de forma superficial e fragmentada. São muito comuns as citações, bonitas por sinal, em redes sociais, em cartas partidárias, em discursos políticos e numa infinidade de outros escritos, mas sempre em citações curtas e cortantes.


Vejo só como é a ignorância, o nome dela parece tão latino, que sempre pensei que tratava-se de alguma revolucionária Latina Americana. Os nomes dizem muito – muito mais de nosso imaginário. Parece que quero me desculpar comigo mesma, sobre essa resistência, sobre este desconhecimento ingênuo. Acho que sim. Mas, o que importa é que tudo vem ao seu tempo e parece que este é o tempo de saber de coisas que um dia não quis saber. Nem por isso desejo engolir a Rosa para cagar sapiências, trata-se apenas de uma descoberta, no sentido raso de descobrir, tirar a venda, a coberta, as ervas daninhas. O que mais me interessa, não é a Rosa política, mas, ao que tudo indica, interessa-me a Rosa mulher, a Rosa feminina de um início de século, onde os homens dominavam, onde o domínio patriarcal estava prestes a trincar. Rosa não era apenas Rosa Luxemburgo, ela era a Doutora Rosa Luxemburgo, com título de doutorado pela Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique. Isso parece ser de grande monta, visto a época na qual viveu.


Fiquei pensando que Freud e Rosa Luxemburgo dividiram o mesmo século. Certamente ela poderia estar deitada no divã do velhinho. No entanto, era uma mulher a frente de sua época. Inserida num ambiente extremamente machista – partido político – foi uma mulher corajosa e muito respeitada nos círculos políticos. Tenho de concordar com as frasezinhas de efeito quando dizem que “Lugar de mulher é na política”. Para Rosa Luxemburgo, não só era lugar, como foi uma escolha de vida, assim determinada por ela – uma vida revolucionária. Acreditar, lutar, ter paciência e determinação, estas coisas pareciam ser uma receita para a vida que teve. Chamavam-na de Rosa Sangrenta, Rosa Vermelha, Rosa Histérica... Rosa Luxemburgo, uma mulher da Revolução!


Estou recortando coisas (cortando Rosas), mesmo que brevemente essa é a história de Rosa Luxemburgo – história de experiência revolucionária. Não encontrei traços de luta feminista, justamente por não se tratar disso, pois, de acordo com as leituras, Rosa não se deteve na questão feminina, muito pelo contrário, uma vez que foi notório seu desprezo pela questão. Mas, existe uma outra dimensão que nos faz pensar em  Rosa e associá-la ao feminismo, justamente, a sua luta incansável para se construir como mulher livre no plano pessoal e político, exposta em detalhes na vasta correspondência com os amigos e namorados.





“Rosa tinha 27 anos quando chegou a Berlim em 1898 para trabalhar no Partido Social Democrata Alemão, a mais importante organização de trabalhadores daquela época. O que queria a jovem judia polonesa, cuja carta de apresentação era tão somente uma tese de doutorado defendida em Zurique sobre o desenvolvimento industrial na Polônia? A resposta é simples: nada menos do que fazer política em pé de igualdade com os maiores teóricos do partido. Essa meta ela alcançou em pouco tempo. Dotada de uma inteligência fulgurante e de uma energia sem limites, Rosa tornou-se rapidamente conhecida na socialdemocracia alemã ao investir contra o velho e respeitado teórico do partido, Eduard Bernstein, que, embora amigo dos fundadores do marxismo, não hesitou em fazer uma revisão da teoria marxista que despencava no mais puro reformismo. A jovem estudiosa e seguidora ortodoxa da obra de Marx não temeu enfrentar a hierarquia da organização, dando assim, o primeiro passo no caminho a que se tinha proposto: construir-se como mulher independente, tanto no plano político, quanto pessoal”.


Conforme artigo de Isabel Loureiro, (Acredito que a mais influente especialista na obra de Rosa Luxemburgo no Brasil) “Rosa não era bonita: um metro e 50 de altura, cabeça desproporcional, nariz grande e um problema no quadril que a fazia mancar. Numa época em que o andar elegante era um dos principais atributos femininos, ela quase sempre conseguia disfarçar essa deficiência por meio do autocontrole e da roupa feita sob medida. Rosa, que certamente sofria com isso, se protegia na medida do possível com a auto ironia, dizendo preferir empregadas altas e fortes, com medo de que quem fosse visitá-la acreditasse ter chegado a uma casa de anões. Segundo a biógrafa Elzbieta Ettinger (Rosa Luxemburgo, Zahar, 1986), esse defeito físico foi determinante em sua vida, levando-a a forjar uma excepcional força de vontade e a tornar-se, a título de compensação, primeiro, aluna modelo, depois, oradora, polemista, jornalista e intelectual brilhante.


As razões para que a fundadora e líder da socialdemocracia polonesa e líder da ala esquerda da socialdemocracia alemã ainda exerça tamanho fascínio sobre nós não são apenas suas ideias políticas libertárias, mas também o fato de que, sendo mulher – o que faz toda a diferença –, e mulher mergulhada na vida política, ela se recusa a sacrificar a felicidade individual à carreira. Porém, neste ponto, acabou se frustrando. Na juventude insistia com Leo Jogiches (também fundador da socialdemocracia polonesa e o grande amor de sua vida durante 15 anos) para ter uma vida “normal”: casar, ter filhos etc. E, junto com isso, dedicar-se à política. Mas Leo era o revolucionário típico, “durão”, acostumado à luta política clandestina e à conspiração. Unir prazer e dever era algo que não estava nos seus planos, se acreditarmos nas eternas reclamações de Rosa, que o censurava por só pensar na “causa”. De temperamentos muito diferentes, a relação entre os dois, depois dos primeiros meses, foi uma fonte contínua de tensões e desavenças, e ela sentia-se infeliz. Segundo Charles Rapoport, que conhecia bem os dois, “Rosa era sentimental e apaixonada, romântica e sensível ao extremo. Talvez Jogiches, no fundo do coração, se parecesse com ela, mas, grande conspirador, soube tão bem esconder sua sensibilidade que mal podia encontrá-la para manifestá-la exteriormente.


É como militante política, como combatente na arena pública, que Rosa enfrenta – e vence intelectualmente – os preconceitos arraigados na socialdemocracia alemã. Nessa medida, ela rompe com o tradicional papel feminino de esposa e mãe, ou mesmo, num outro patamar, de secretária do marido. Não podemos esquecer que ela sofre de vários handicaps para a ultraconservadora Alemanha da época – é mulher, judia, polonesa e revolucionária.


Rosa foi de fato uma figura singular na sociedade imperial alemã, dominada pelo autoritarismo e o patriarcalismo, razão pela qual, ela foi extremamente discreta sobre sua vida privada. E havia motivos para tanta discrição.


Os ataques contra a mulher começaram cedo no ambiente machista da esquerda da época, que temia sua independência de espírito e sua língua mordaz: o socialista austríaco Victor Adler chamou-a de “idiota venenosa”; quando ela foi nomeada redatora-chefe de um importante jornal socialdemocrata e enfrentou quase uma rebelião dos colegas jornalistas que duvidavam de sua competência pelo fato de ser mulher; seus companheiros de partido ao se referirem a ela falavam em “materialismo histérico”. Para Lênin, Rosa era uma águia que ocasionalmente voava mais baixo que uma galinha.


Seus assassinos fizeram questão de vilipendiá-la como mulher: depois de espancada, levou um tiro na cabeça, foi enrolada em arame farpado e jogada nas águas do canal Landwehr. Só pôde ser enterrada meses mais tarde, numa cerimônia acompanhada por milhares de pessoas, quando o corpo, quase irreconhecível, foi identificado a duras penas por sua secretária Mathilde Jacob.


Rosa não compartilhou da crença no progresso, comum na socialdemocracia do seu tempo, mas, ao contrário, enfatizou o lado violento da expansão capitalista que leva à destruição das culturas primitivas, distinguindo-se assim de seus companheiros homens, Marx, bolcheviques, socialdemocratas. Estes encaram como positivo o desenvolvimento capitalista com seus aliados naturais, a grande indústria e o desenvolvimento técnico, vendo tal processo como uma etapa necessária no caminho da humanidade em direção ao socialismo. Para Rosa, em contrapartida, cuja tese sobre o imperialismo tem no centro a ideia de que o capitalismo só pode desenvolver-se anexando – com violência – as formações sociais não-capitalistas, o capitalismo traz apenas destruição. Estas formações sociais não-capitalistas, que antes eram as colônias, abarcam hoje setores como a saúde, a educação, a criatividade intelectual, os recursos ambientais, a cultura, e, segundo as feministas, o trabalho das mulheres no âmbito doméstico.


Muro de Berlin "Eu sou uma terrorista."

Com toda certeza, Rosa ficaria feliz por ter deixado uma obra mais brilhante e duradoura que a da grande maioria de seus companheiros homens. Mas, para nós mulheres, o mais estimulante ainda hoje é o fato de ela ser uma intelectual revolucionária que vê a sociedade do ponto de vista feminino; e, além disso, a preservação dos registros pessoais em que ela, no decorrer dos anos, relata sua penosa construção como mulher independente contribui para nosso próprio autoconhecimento, dando-nos força para lutar contra os limites que continuam nos sendo impostos e que acabamos por introjetar”.


A palavra de ordem, “Socialismo ou Barbárie”, adotada por Rosa em “A crise da socialdemocracia”, (1916) até hoje inspira títulos, teses, chamadas de ordem, poesias e uma gama de utopias.



Uma carta de Rosa:



A Costia Zetkin

Quarten, 17 de Agosto de 1909, quinta- feira



Meu querido Costia, custa-me um grande sacrifício escrever-te ainda, mas quero que no momento de dizer-te adeus vejas tão claro em mim quanto eu vejo em ti.

Consegui vencer a minha dor e estou calma. Para mim é como se desde domingo tivesse passado um ano. O mais duro já tinha passado quando chegaram tuas cartas falsas e quando li a última, essa sincera, senti uma grande dor, meu coração gelou, mas senti também uma grande calma. Tudo se passou como te disse no início: foi o teu amor que me forçou a amar-te, e quando teu amor acabou, o mesmo aconteceu comigo. Sofri por não te ter libertado mais cedo desse peso, sofro com a lembrança dos olhares sombrios e atormentados de um passarinho cativo, mas nunca ousei dizer as palavras libertadoras no fundo eu considerava nossa relação coisa séria e sagrada.

...Na realidade prisioneira era eu, porque a lembrança de um surdo murmúrio no pequeno quarto -" Sê fiel, não deixes de ser fiel"- e uma súplica nas cartas "não me deixes, não me deixes"- prendiam-me a ti como correntes de ferro. O murmúrio de um rapazinho adorável prendia meu coração, mesmo quando teu ar infeliz me torturava de uma forma indescritível quando, em Gênova, durante noites de insônia, a falta de clareza da tua relação comigo me sufocava. Mas tenho um doce consolo ao pensar que realizei o desejo desejo desse rapazinho: fui-lhe fiel até o fim e nunca lhe lancei um olhar desconfiado nunca lhe ocultei meus pensamentos mais secretos.

Agora consegui vencer a minha dor. Lancei-me ao trabalho com prazer e estou decidida a viver ainda com mais rigor, clareza e castidade. Esta regra de vida amadureceu em mim durante o nosso relacionamento, por isso estas palavras ainda te pertencem.

Agora que estás livre como um passarinho, sê feliz. A principuccia não está mais no teu caminho. Adeus. Os rouxinóis dos Apeninos cantam para ti e os bois do Cáucaso, de chifres, te saúdam.


R.



(Rosa Luxemburgo, Vida e obra. Isabel Maria Loureiro - expressão popular)



**Mais sobre Rosa Luxemburgo:












*O mais bacana desta pesquisa foi encontrar as produções de Isabel Loureiro. Apaixonei-me! Encantei-me! Intelectual fantástica.



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