Procurava por
biografias, foi quando me deparei com Rosa Luxemburgo – só o nome dela, já nos
parece inspirador –. Não possuo
conhecimento político sobre esta mulher, que em 1900 fazia ebulir o movimento
revolucionário de esquerda. Assisti o filme biográfico “Rosa Luxemburgo” da
diretora Margarethe von Trotta e, confesso, de forma envergonhada que este foi
meu primeiro momento de clareira do desconhecido, um “aprofundar” raso, mas,
curioso.
Filme Rosa Luxemburgo:
O nome Rosa
Luxemburgo sempre me foi conhecido, mas sua vida e sua obra, não haviam
despertado, ainda o meu interesse, talvez, justamente, por ter ouvido tantas
vezes citarem-na de forma banal, de forma superficial e fragmentada. São muito
comuns as citações, bonitas por sinal, em redes sociais, em cartas partidárias,
em discursos políticos e numa infinidade de outros escritos, mas sempre em
citações curtas e cortantes.
Vejo só como é
a ignorância, o nome dela parece tão latino, que sempre pensei que tratava-se
de alguma revolucionária Latina Americana. Os nomes dizem muito – muito mais de
nosso imaginário. Parece que quero me desculpar comigo mesma, sobre essa
resistência, sobre este desconhecimento ingênuo. Acho que sim. Mas, o que
importa é que tudo vem ao seu tempo e parece que este é o tempo de saber de
coisas que um dia não quis saber. Nem por isso desejo engolir a Rosa para cagar
sapiências, trata-se apenas de uma descoberta, no sentido raso de descobrir,
tirar a venda, a coberta, as ervas daninhas. O que mais me interessa, não é a
Rosa política, mas, ao que tudo indica, interessa-me a Rosa mulher, a Rosa
feminina de um início de século, onde os homens dominavam, onde o domínio
patriarcal estava prestes a trincar. Rosa não era apenas Rosa Luxemburgo, ela
era a Doutora Rosa Luxemburgo, com título de doutorado pela Universidade de
Ciências Aplicadas de Zurique. Isso parece ser de grande monta, visto a época
na qual viveu.
Fiquei
pensando que Freud e Rosa Luxemburgo dividiram o mesmo século. Certamente ela
poderia estar deitada no divã do velhinho. No entanto, era uma mulher a frente
de sua época. Inserida num ambiente extremamente machista – partido político –
foi uma mulher corajosa e muito respeitada nos círculos políticos. Tenho de
concordar com as frasezinhas de efeito quando dizem que “Lugar de mulher é na política”.
Para Rosa Luxemburgo, não só era lugar, como foi uma escolha de vida, assim
determinada por ela – uma vida revolucionária. Acreditar, lutar, ter paciência
e determinação, estas coisas pareciam ser uma receita para a vida que teve.
Chamavam-na de Rosa Sangrenta, Rosa Vermelha, Rosa Histérica... Rosa
Luxemburgo, uma mulher da Revolução!
Estou
recortando coisas (cortando Rosas), mesmo que brevemente essa é a história de
Rosa Luxemburgo – história de experiência revolucionária. Não encontrei traços
de luta feminista, justamente por não se tratar disso, pois, de acordo com as
leituras, Rosa não se deteve na questão feminina, muito pelo contrário, uma vez
que foi notório seu desprezo pela questão. Mas, existe uma outra dimensão que nos
faz pensar em Rosa e associá-la ao
feminismo, justamente, a sua luta incansável para se construir como mulher
livre no plano pessoal e político, exposta em detalhes na vasta correspondência
com os amigos e namorados.
“Rosa tinha 27
anos quando chegou a Berlim em 1898 para trabalhar no Partido Social Democrata
Alemão, a mais importante organização de trabalhadores daquela época. O que
queria a jovem judia polonesa, cuja carta de apresentação era tão somente uma
tese de doutorado defendida em Zurique sobre o desenvolvimento industrial na
Polônia? A resposta é simples: nada menos do que fazer política em pé de
igualdade com os maiores teóricos do partido. Essa meta ela alcançou em pouco
tempo. Dotada de uma inteligência fulgurante e de uma energia sem limites, Rosa
tornou-se rapidamente conhecida na socialdemocracia alemã ao investir contra o
velho e respeitado teórico do partido, Eduard Bernstein, que, embora amigo dos
fundadores do marxismo, não hesitou em fazer uma revisão da teoria marxista que
despencava no mais puro reformismo. A jovem estudiosa e seguidora ortodoxa da
obra de Marx não temeu enfrentar a hierarquia da organização, dando assim, o
primeiro passo no caminho a que se tinha proposto: construir-se como mulher
independente, tanto no plano político, quanto pessoal”.
Conforme
artigo de Isabel Loureiro,
(Acredito que a mais influente especialista na obra de Rosa Luxemburgo no
Brasil) “Rosa não era bonita: um metro e 50 de altura, cabeça desproporcional,
nariz grande e um problema no quadril que a fazia mancar. Numa época em que o
andar elegante era um dos principais atributos femininos, ela quase sempre
conseguia disfarçar essa deficiência por meio do autocontrole e da roupa feita
sob medida. Rosa, que certamente sofria com isso, se protegia na medida do
possível com a auto ironia, dizendo preferir empregadas altas e fortes, com
medo de que quem fosse visitá-la acreditasse ter chegado a uma casa de anões.
Segundo a biógrafa Elzbieta Ettinger (Rosa Luxemburgo, Zahar, 1986), esse defeito
físico foi determinante em sua vida, levando-a a forjar uma excepcional força
de vontade e a tornar-se, a título de compensação, primeiro, aluna modelo,
depois, oradora, polemista, jornalista e intelectual brilhante.
As razões para
que a fundadora e líder da socialdemocracia polonesa e líder da ala esquerda da
socialdemocracia alemã ainda exerça tamanho fascínio sobre nós não são apenas
suas ideias políticas libertárias, mas também o fato de que, sendo mulher – o
que faz toda a diferença –, e mulher mergulhada na vida política, ela se recusa
a sacrificar a felicidade individual à carreira. Porém, neste ponto, acabou se
frustrando. Na juventude insistia com Leo Jogiches (também fundador da
socialdemocracia polonesa e o grande amor de sua vida durante 15 anos) para ter
uma vida “normal”: casar, ter filhos etc. E, junto com isso, dedicar-se à
política. Mas Leo era o revolucionário típico, “durão”, acostumado à luta
política clandestina e à conspiração. Unir prazer e dever era algo que não
estava nos seus planos, se acreditarmos nas eternas reclamações de Rosa, que o
censurava por só pensar na “causa”. De temperamentos muito diferentes, a
relação entre os dois, depois dos primeiros meses, foi uma fonte contínua de
tensões e desavenças, e ela sentia-se infeliz. Segundo Charles Rapoport, que
conhecia bem os dois, “Rosa era sentimental e apaixonada, romântica e sensível
ao extremo. Talvez Jogiches, no fundo do coração, se parecesse com ela, mas,
grande conspirador, soube tão bem esconder sua sensibilidade que mal podia
encontrá-la para manifestá-la exteriormente.
É como
militante política, como combatente na arena pública, que Rosa enfrenta – e
vence intelectualmente – os preconceitos arraigados na socialdemocracia alemã.
Nessa medida, ela rompe com o tradicional papel feminino de esposa e mãe, ou
mesmo, num outro patamar, de secretária do marido. Não podemos esquecer que ela
sofre de vários handicaps para a ultraconservadora Alemanha da época – é
mulher, judia, polonesa e revolucionária.
Rosa foi de
fato uma figura singular na sociedade imperial alemã, dominada pelo
autoritarismo e o patriarcalismo, razão pela qual, ela foi extremamente
discreta sobre sua vida privada. E havia motivos para tanta discrição.
Os ataques
contra a mulher começaram cedo no ambiente machista da esquerda da época, que
temia sua independência de espírito e sua língua mordaz: o socialista austríaco
Victor Adler chamou-a de “idiota venenosa”; quando ela foi nomeada
redatora-chefe de um importante jornal socialdemocrata e enfrentou quase uma
rebelião dos colegas jornalistas que duvidavam de sua competência pelo fato de
ser mulher; seus companheiros de partido ao se referirem a ela falavam em
“materialismo histérico”. Para Lênin, Rosa era uma águia que ocasionalmente
voava mais baixo que uma galinha.
Seus assassinos fizeram questão de
vilipendiá-la como mulher: depois de espancada, levou um tiro na cabeça, foi
enrolada em arame farpado e jogada nas águas do canal Landwehr. Só pôde ser
enterrada meses mais tarde, numa cerimônia acompanhada por milhares de pessoas,
quando o corpo, quase irreconhecível, foi identificado a duras penas por sua
secretária Mathilde Jacob.
Rosa não
compartilhou da crença no progresso, comum na socialdemocracia do seu tempo,
mas, ao contrário, enfatizou o lado violento da expansão capitalista que leva à
destruição das culturas primitivas, distinguindo-se assim de seus companheiros
homens, Marx, bolcheviques, socialdemocratas. Estes encaram como positivo o
desenvolvimento capitalista com seus aliados naturais, a grande indústria e o
desenvolvimento técnico, vendo tal processo como uma etapa necessária no
caminho da humanidade em direção ao socialismo. Para Rosa, em contrapartida,
cuja tese sobre o imperialismo tem no centro a ideia de que o capitalismo só
pode desenvolver-se anexando – com violência – as formações sociais
não-capitalistas, o capitalismo traz apenas destruição. Estas formações sociais
não-capitalistas, que antes eram as colônias, abarcam hoje setores como a
saúde, a educação, a criatividade intelectual, os recursos ambientais, a
cultura, e, segundo as feministas, o trabalho das mulheres no âmbito doméstico.
Muro de Berlin "Eu sou uma terrorista." |
Com toda
certeza, Rosa ficaria feliz por ter deixado uma obra mais brilhante e duradoura
que a da grande maioria de seus companheiros homens. Mas, para nós mulheres, o
mais estimulante ainda hoje é o fato de ela ser uma intelectual revolucionária
que vê a sociedade do ponto de vista feminino; e, além disso, a preservação dos
registros pessoais em que ela, no decorrer dos anos, relata sua penosa
construção como mulher independente contribui para nosso próprio
autoconhecimento, dando-nos força para lutar contra os limites que continuam
nos sendo impostos e que acabamos por introjetar”.
A palavra de ordem, “Socialismo ou Barbárie”, adotada por Rosa em “A crise da socialdemocracia”, (1916) até hoje inspira títulos, teses, chamadas de ordem, poesias e uma gama de utopias.
Uma
carta de Rosa:
A
Costia Zetkin
Quarten,
17 de Agosto de 1909, quinta- feira
Meu
querido Costia, custa-me um grande sacrifício escrever-te ainda, mas quero que
no momento de dizer-te adeus vejas tão claro em mim quanto eu vejo em ti.
Consegui
vencer a minha dor e estou calma. Para mim é como se desde domingo tivesse
passado um ano. O mais duro já tinha passado quando chegaram tuas cartas falsas
e quando li a última, essa sincera, senti uma grande dor, meu coração gelou,
mas senti também uma grande calma. Tudo se passou como te disse no início: foi
o teu amor que me forçou a amar-te, e quando teu amor acabou, o mesmo aconteceu
comigo. Sofri por não te ter libertado mais cedo desse peso, sofro com a
lembrança dos olhares sombrios e atormentados de um passarinho cativo, mas
nunca ousei dizer as palavras libertadoras no fundo eu considerava nossa
relação coisa séria e sagrada.
...Na
realidade prisioneira era eu, porque a lembrança de um surdo murmúrio no
pequeno quarto -" Sê fiel, não deixes de ser fiel"- e uma súplica nas
cartas "não me deixes, não me deixes"- prendiam-me a ti como
correntes de ferro. O murmúrio de um rapazinho adorável prendia meu coração,
mesmo quando teu ar infeliz me torturava de uma forma indescritível quando, em
Gênova, durante noites de insônia, a falta de clareza da tua relação comigo me
sufocava. Mas tenho um doce consolo ao pensar que realizei o desejo desejo
desse rapazinho: fui-lhe fiel até o fim e nunca lhe lancei um olhar desconfiado
nunca lhe ocultei meus pensamentos mais secretos.
Agora
consegui vencer a minha dor. Lancei-me ao trabalho com prazer e estou decidida
a viver ainda com mais rigor, clareza e castidade. Esta regra de vida
amadureceu em mim durante o nosso relacionamento, por isso estas palavras ainda
te pertencem.
Agora
que estás livre como um passarinho, sê feliz. A principuccia não está mais no
teu caminho. Adeus. Os rouxinóis dos Apeninos cantam para ti e os bois do
Cáucaso, de chifres, te saúdam.
R.
(Rosa
Luxemburgo, Vida e obra. Isabel Maria Loureiro - expressão popular)
**Mais
sobre Rosa Luxemburgo:
*O mais
bacana desta pesquisa foi encontrar as produções de Isabel Loureiro.
Apaixonei-me! Encantei-me! Intelectual fantástica.
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