Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

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sábado, 14 de novembro de 2009

A Depressão na Literatura

(Anjo da Melancolia I - Albrecht Dürer - 1471-1528)

Por: Gonzalo Penalvo Rohleder


O termo depressão utilizado na atualidade remete-nos à antiga “patologia dos humores tristes”, citada desde a Grécia como “Melancolia”. Nessa época filosofia e tragédia andavam próximas. Para uma melhor compreensão de suas emoções, os gregos deslocaram-na para seus heróis e deuses. Homero descreve na Ilíada os sofrimentos do herói Belerofonte, condenado a vagar na solidão e desespero.

A melancolia fez-se presente desde os escritos filosóficos de Aristóteles aos textos de Hipócrates. “A melancolia, sintetizou o “pai da medicina”, é a perda do amor pela vida, uma situação na qual a pessoa aspira à morte como se fosse uma bênção.” (Scliar, 2003, p.70)

Enquanto Hipócrates a considerava doença (bílis negra), Aristóteles a relacionou entre a genialidade e a loucura. Associou a melancolia à criatividade: o homem triste é também um homem profundo. O melancólico seria, para ele, excepcional por natureza, não por doença.

São concepções contrárias que marcaram o pensamento ocidental e fundamentam o antagonismo presente ainda nos dias de hoje.

Mesmo na bíblia, podemos encontrar referências à melancolia. Temos “As aflições e paciência de Jó”, passagem bíblica que relata as angústias de um homem fiel a Deus ante todo tipo de provação. Sentado sete dias e sete noites, com amigos que vieram em seu auxílio, Jó passou a falar de suas tristezas:

Pereça o dia em que nasci

e a noite em que se disse:

Foi concebido um homem!

...

Por que não morri em minha mãe?
Por que se concebe luz ao miserável

e vida aos amargurados de ânimo,

que esperam a morte, e ela não vem?
Pois agora eu estaria deitado e quieto;
Teria dormido e estaria em repouso.

(onde se percebe uma transposição da máxima suicida que declara “Queria nunca ter nascido”.)

A passagem acima nos remete ainda à idéia de pulsão de morte. Vemos um sujeito que em seu sofrimento busca radicalmente na morte o alívio, a tranqüilidade e a paz. De certa forma, quisera poder dissolver-se em seu objeto primário de satisfação, a mãe.
Jó caminha pela negação de sua existência, maldiz o nascimento, lamenta e deseja a morte. “Deus, tu me lançaste na lama, e me tornei semelhante ao pó e à cinza”.

Na Renascença, seguindo os ideais de Aristóteles, a arte e a intelectualidade mostraram-se permeadas pela melancolia. Esta, sendo apreciada por seu teor erudito, fez-se muito presente no barroco.

Através do romantismo podemos fazer uma breve associação entre a depressão (melancolia) e sua influência na literatura. O movimento surgiu nas últimas décadas do século XVIII, na Europa. Manifestou oposição ao racionalismo vigente, com uma visão de mundo mais centrada no indivíduo e na subjetividade. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo (fuga da realidade).

Uma temática envolvendo pessimismo e morte também pode ser encontrada em autores como Byron, Goethe, Álvares de Azevedo, entre outros.

Para Manoel Berlinck e Pierre Fédida, no romantismo não é feito o luto da perda. “É assim na alma dos românticos, cultores do vazio da depressão por meio de atividades que visam sempre o encontro de um objeto de satisfação. Perambulam pelas cidades, bares, lugares habitados por outros, que expressam uma incessante agitação, porém, animados por um persistente vazio.”

O paraibano Augusto dos Anjos pode ser um exemplo mais próximo. Cético em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me"), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio "eu" o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se converte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pessimismo ("Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa").

O romancista sempre revela algo de si nos personagens, e às vezes autor e obra se confundem. Foi o caso, por exemplo, de Virgínia Woolf, escritora britânica, autora de "Orlando" e "Ondas", que se suicidou por afogamento após uma crise de depressão, ou de Sylvia Plath, poeta norte-americana, que se matou intoxicada com o gás de cozinha. Na pintura, Van Gogh cortou a própria orelha e se matou com um tiro.

Logicamente, há autores que mantiveram certa distância entre a realidade e a ficção. É o caso, por exemplo, de Graciliano Ramos, autor de "Angústia", "Vidas Secas" e "Memórias do Cárcere", apenas para citar algumas.
Na filosofia, percebemos a herança pessimista legada a Nietzsche por Schopenhauer, o qual afirma-se ter sofrido de “depressão nervosa”. Para o segundo, o prazer é resumido como breve instante de alívio da dor. Todo prazer seria ponto de partida de novas aspirações, sempre frustradas e sempre procurando realização. Uma cadeia regida pelo desejo onde “viver é sofrer”.

Em 1994, Elizabeth Wurtzel lançou sua autobiografia “Geração Prozac: Jovem e deprimida na América”. No livro ela conta como era sua vida quando foi diagnosticada com depressão nervosa, de como era ao que se tornou devido ao uso de medicamentos, no caso, o Prozac.

Na mesma época, Susanna Kaysen lançava sua também autobiografia, “Moça, interrompida”. No livro ela conta uma fase de sua vida em que tentou suicídio e foi internada em uma clínica psiquiátrica. Seu diagnóstico: Transtorno de Personalidade Limítrofe (borderline personality disorder).

Foi Adolf Meyer que favoreceu a substituição do termo melancolia por depressão, já que o primeiro fazia apelo a um estado do romantismo muito presente na literatura e inadequado a ciência psiquiátrica, que estava em pleno desenvolvimento.

Esses são apenas alguns exemplos, dentre inúmeros, da ligação entre a literatura e as doenças comportamentais como a depressão.

“Ninguém atinge a aurora sem passar pela noite”. - K. Gibran -

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