Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

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sábado, 10 de julho de 2010

O DECLÍNIO DO VALOR SIMBÓLICO DO TRABALHO


*Gonzalo P. Rohleder - UNIJUÍ - 2009.

Pelo presente, discorreremos tratando da problemática referente ao declínio do valor simbólico do trabalho. Questão essa intimamente próxima à conseqüente decomposição da lei simbólica, cujo representante seria o Pai. A partir da psicanálise, exploraremos brevemente esta temática, bem como sua implicações na subjetividade contemporânea. Algumas noções clínicas atuais nos serviram de subsídio nesse estudo, norteando nossa análise para os pontos de maior relevância dentro da proposta acima citada.

Primeiramente, partimos do conceito de trabalho como “atividade correspondente ao artificialismo da existência humana” que segundo Hannah Arendt, seria responsável pela produção de “um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural”. Através dessa atividade, deslocamo-nos a uma condição além daquela dada pela natureza.

Entretanto, o significado atribuído ao trabalho estaria sujeito a perspectiva sócio-histórica. Com o passar do tempo, cada cultura situou-o de forma particular em seu discurso. Seu valor, portanto, encontrar-se-ia ajustado à escala imaginária construída pelo ideal social de cada época. Escala organizada por uma lógica comparativa, onde o valor fundamental é o valor fálico.

O trabalho seria uma das principais formas de representação do sujeito no discurso social. O valor a ele conferido consideraria o esforço humano como pré-condição para sua elaboração. Isso porque a necessidade e a importância da mão-de-obra delegavam certo reconhecimento ao trabalhador. Ao menos era essa a lógica prevalecente antes da industrialização. Como pode se representar quando a crescente mecanização da produção destituiu o valor simbólico de sua mão-de-obra? Em termos produtivos, o homem entrara numa disputa impossível com a máquina.

Essa produção visaria, através da propaganda e dos recursos midiáticos modernos, a exaltação do objeto produzido. Passa a ser apresentado como necessidade e institui-se uma demanda. Dessa forma, este se inscreve como substituto do “objeto materno recalcado”, tornado sempre presente pelo consumo constante.

A precariedade do trabalho enquanto sistema de intercâmbio social se revela ainda nas lutas reivindicatórias. Se historicamente direitos eram conquistados por meio de manifestações e greves, o peso dessas medidas hoje em dia já é questionável. Em contrapartida, vemos como o trabalhador encontra-se compelido a integrar-se ao discurso da empresa/instituição, “vestindo a camisa” desta. Seu emprego depende disso.

Cientes de que o discurso social referido é o discurso capitalista, acompanhamos essa subversão do saber, situado agora do lado do objeto. Jerusalinsky descreve como“...hoje o sujeito fica numa total dependência para estabelecer seu valor simbólico, de sua equivalência ao objeto. Seja por possuí-lo, seja por fabricá-lo, seja por dominá-lo ou por usufruí-lo, eis como o sujeito encontra seu valor”.

Todo esse discurso seria em nome de um ideal de produção que garante a competitividade da empresa, tornando-a apta a ampliar seu capital – sem resultar necessariamente em benefício para quem nela trabalha. Portanto, as concessões em prol do trabalhador seguem uma estratégia de produção ou derivam da preocupação para com seu bem-estar da parte do “capitalista”?

Lacan em seus últimos seminários fala a respeito do discurso capitalista como sendo destinado a consumir o próprio homem. Consumido enquanto objeto produtivo responsável pela elaboração autômata de seu “mestre absoluto”, o objeto de consumo. Então vemos o humano rebaixado a condição de coisa, e a coisa enaltecida, detentora do saber alienante que a situa como indispensável para a “ascensão” ao gozo.

No dito “Estado Democrático de Direito”, de que democracia estamos falando? Democracia social ou democracia de consumo? Pois bem, o significante “consumidor” nos vêm à mente com muito mais fluência que o significante “cidadania”. Na psicanálise, o primeiro teria uma relação referente à posição do sujeito diante os objetos. Por conseguinte, o segundo seria o exercício de uma posição discursiva do sujeito no social. Qual parece prevalecer?

Sabemos que o declínio do valor simbólico do trabalho produz efeitos em toda conjuntura social. Um dos exemplos é o declínio da função paterna (FP). De que forma um pai explorado, sem reconhecimento social satisfatório e relativamente impotente pode se apresentar referência identificatória? Pois é este um modelo típico nas famílias contemporâneas.

O que se investirá sobre esse pai, para que o mesmo sustente o lugar de rival edípico (falo imaginário) e depositário do desejo da mãe? Se essa dinâmica não se dá a criança não tem apresentado um ideal de eu para orientá-la. O corte entre mãe-filho não ocorre, não há castração e portanto, inscrição simbólica. Sem falta, não há o que ser restituído através dos objetos substitutivos, o falo simbólico. Eis a psicose.

Jerusalinsky aponta que por via dessa peculiar relação objetal - onde a falta passa a ser da ordem da posse real – os laços paranóicos tendem a predominar. Ao menos se essa lógica de quebra dos sistemas de valor continuar regendo tais relações.


Bibliografia:

JERUSALINSKY A. N. . Papai não trabalha mais.. O Valor Simbólico do Trabalho e o Sujeito Contemporâneo.. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000, v. , p. 9-35

HARENDT, Hannah. A condição humana ¬¬– Ed. Forense Universitária - 1958

J.D. Nasio. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise – pág. 37

LACAN, J. (1969-70) O seminário, livro XVII: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.

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