Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


domingo, 10 de janeiro de 2010

ASAS DO DESEJO À POESIA DE REINER MARIA RILKE


Os anjos catalisadores do filme “Asas do Desejo” de Wim Wenders renunciam à imortalidade para provar uma xícara de café e um cigarro. Os anjos ouvem os pensamentos dos humanos, perpassam pelo cotidiano catalisando as dores e emoções que eles não são capazes de sentir; vêem o mundo com seus olhares sem cores, sentem as coisas e os objetos sem sentir; são capazes de roubar uma materialidade para tentar provocar alguma sensação. A dimensão de dois mundos (mundo angelical espectro e mundo humano paixões-desejos) é confrontada com a realidade da dor – a dor do pós-guerra – 2º Guerra Mundial. A dimensão do real vem à tona com as imagens da Alemanha dividida pela guerra. O mundo espectral e onírico dos anjos é de um mundo sem angústias, embora lamentem a eternidade e invejem os humanos, mas sem angústias como dos humanos no sentido cotidiano e banal de suas pobres vidas mortais. Eles anseiam pelas paixões e banalidades, querem saborear dos sentidos e sorver as emoções, pois deus os privou deste emaranhado de coisas duras e saborosas, não há prazer maior para os anjos do que sair da moldura divina e encarnar a moldura humana, mesmo que seja uma moldura trincada.

Asas do Desejo nos oferece uma colagem de teorias filosóficas, uma espécie de síntese da humanidade – vai de Rilke (As Elegias de Duíno), Homero, Kierkegaard, Nietzsche, Sartre, Walter Benjamin... As pinturas de klimt ao roteirista do filme (Peter Handke) ...
Em Kierkegaar encontramos algo mais ou menos assim: “A angústia é a diferença que nos faz humanos. A angústia é humana! É isso que nos diferencia dos anjos e dos animais”.

Em Walter Benjamin: “O que é o anjo do futuro? Ele está com a cara voltada para o passado e não consegue prever o futuro – a memória já é fragmentada, a história é fragmentada”.

Asas do Desejo prevalece como uma grande obra prima do cinema; é sempre bom rever. É um filme carregado de poesia, encanto, dor e angústia. As musas de Homero são outras, a morte nos angustia, mas ainda assim podemos degustar um café e nos pulverizarmos interiormente com a fumaça de um cigarro que carrega nossas angústias em 5 minutos de fumaça. A angústia nos faz humanos – humanos que não conseguem vislumbrar um futuro, tudo é incerto, nossa memória se fragmentou, apesar da oralidade fluir; porém, só a partir de uma leitura singular... Só o sonho ainda pode nos transportar para a realização de nossos desejos – desejos de anjos, desejos de humanos, mas nunca esquecer que a angústia vem de nossos desejos mais profundos e desconhecidos.

O filme de Wim Wenders tem profunda reflexão sobre a subjetividade, sobre a humanidade, sobre a contemporaneidade, sobre o futuro e principalmente sobre as paixões humanas que, por último, constroem as primeiras. É muito para minha pobre associação livre do momento. Nada termina aqui. O filme ainda possui fantástica fotografia da dupla de velhinhos: Henri Aleka e Louis Cochet, além de uma gótica e ótima trilha sonora composta por Jürgen Knieper.

Um poema de Reiner Maria Rilke:


O Anjo


Com um mover da fronte ele descarta

tudo o que obriga, tudo o que corta,

pois em seu coração, quando ela o adentra,

a eterna Vinda os círculos concentra.
O céu com muitas formas Ihe aparece

e cada qual demanda: vem, conhece.

Não dês às suas mãos ligeiras nem

um só fardo; pois ele, à noite, vem
à tua casa conferir teu peso,

cheio de ira, e com a mão mais dura,

como se fosses sua criatura,

te arranca do teu molde com desprezo.

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