Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


sábado, 4 de dezembro de 2010

Da Horda ao Estado


* Luciana V. K. Mai - Psicologia Unijuí.


Freud discorreu, em “Totem e Tabu” sobre a importância da morte do pai da horda primitiva como um evento constitutivo da civilização. Para ele, este ato foi necessário para a transformação da vontade de um único, em uma lei comum, marcada pelo interdito do incesto. Então, a civilização, a cultura e o social são dimensões, instâncias criadas e organizadas pelo homem, de forma política.

Este texto freudiano juntamente com o texto “Mal Estar na Civilização”, são produções indispensáveis para se pensar o social. Em nosso estágio tornaram-se bases sólidas quanto às questões que nos remetem aos temas do vínculo familiar, da violência, da lei simbólica, do Estado e da própria constituição das instituições.

“Totem e Tabu” nos norteou, quanto aos fundamentos dos processos sociais, ou seja, daquilo que circunda a condição humana. A exemplo de nosso estudo, com adolescentes em conflito com a Lei, constantemente somos convocados a questionar o que o social tem haver com o sujeito. Que sujeito é esse? Que cultura é essa? Assim, saímos de um pensamento centrado no indivíduo, para o olhar do sujeito, implicado no social. Destacamos do texto, interpretado por Engène Enriquez, algumas passagens significativas que contribuíram para a construção de alguns pressupostos teóricos.

Enriquez assim enuncia: “A humanidade nasceu de um crime cometido em conjunto. Crime do qual não pode jamais se libertar. Este crime não é senão, o prelúdio de uma série ininterrupta de assassinatos, que parece ser o corolário normal da existência humana em sociedade” (p. 29).

O mito, contemporâneo, da horda primitiva, criado por Freud, chega mesmo a nos assombrar. Se desdobrássemos a frase, diríamos que nos assombra, verdadeiramente, em todos os sentidos, pois, a humanidade carrega e transmite incessantemente a marca deste fantasma. A cultura resumida em uma premissa: ela própria é a constituição psíquica do sujeito. Então, se a humanidade nasceu de um crime, ela mesma se compromete na redenção deste crime, através de uma série de significações expressas na organização da sociedade e na organização psíquica do sujeito – constroem-se objetos para fundar uma subjetividade.


(...) A impotência os torna irmãos (a exclusão), mas não basta; primeiro tem que se estabelecer uma relação de solidariedade, então reconhecer o outro enquanto outro e enquanto semelhantes, daí se reconhecem como irmãos. Eles se descobrem irmãos. Eles se identificam uns com os outros (o desejo é compartilhado). Experimentam a solidariedade e reconhecem o vínculo libidinal que os une no ódio comum contra o pai. (ENRIQUEZ – p. 31)


A “fórmula” da horda primitiva nos leva à compreensão da origem da cultura, pois, sem um ato fundador, o homem seria apenas um bípede, sem penas. Na medida em que este homem reconhece os seus semelhantes e se reconhece enquanto sujeito, ele transforma-se num ser social que passa a estabelecer laços significantes, ou seja, constitui-se a partir da dimensão da linguagem. Algo precisa ser referência para que se faça laço social – “a impotência os torna irmãos” – na luta contra um pai selvagem e violento. Portanto, a identificação é um dos primeiros laços. Posteriormente, estabelecesse-se uma relação de solidariedade para assim, reconhecer o outro e compartilhar um desejo em comum. Matar o pai da horda é fazer um ‘furo’ que adentre numa dimensão simbólica indispensável para criação da cultura.


(...) O parricídio é indispensável para a criação da cultura, ele nos introduz no mundo da culpabilização, da renúncia (tanto da realização do desejo, como ao desejo de realização), da necessidade da referência de uma lei externa transcendente. Tudo isso se manifestará em organização social, restrições morais, e da religião. (ENRIQUEZ – p.34)


Funda-se um pai, funda-se a lei e estabelece-se uma culpa compartilhada por todos e que é paga com constantes renúncias, ou seja, renunciar a um gozo numa dimensão de alteridade, para dizer de uma falta própria. A culpa encontra sua origem no retorno do amor sob a forma do remorso. O amor está, assim, na origem da consciência moral perpassado pelo sentimento de culpa. O símbolo deste ato agressivo de assassinato do pai causou remorso pelo amor que devotavam; aliás, é o próprio ato que cria um pai. Amor e ódio estão assim conjugados na fundação do laço social. Sem a apropriação desses conceitos, parece-nos improvável que um profissional de psicologia possa dialogar com a psicologia social e conjugar sujeito e cultura.

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