Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Eu Sou Uma Sensação Minha

Ele disse que não tinha certeza de nada. Que poderia ser mesmo uma alucinação, um pesadelo, uma projeção subconsciente ou qualquer outra coisa assim...
A verdade? É uma coisa exterior?
A única realidade dele eram as sensações que “eles” proporcionavam... das sensações que vinham de dentro dele... Nem da própria existência estava certo.
Estava preocupado... isso era certo. Enquanto falava gesticulava nervoso, enumerando suposições para o fato. Dizia também, que preferia não contar tudo porque, de alguma forma, “eles” poderiam falar por ele e as coisas seriam mal compreendidas. Temia ficar agressivo e, ainda, poderia por fim, negar tudo o que pudesse vir a dizer.
Acrescentou sem encarar meus olhos que, talvez, nada tivesse a ver com a vida dele. Sabia ele que sempre foi um obcecado, mas o que estava acontecendo já era demais. Ele próprio estava horrorizado. E falou ainda, em voz baixa, que parecia um abismo cheio de música, objetos antigos e outros nunca vistos. E, quando estava caindo, se deixava levar... calmo e doce. É um veludo vermelho – macio. Confessou gostar, amar profundamente, desesperadamente. Na verdade, repetia, “eles” são o mistério que não significa coisa alguma ou são a verdade que significa qualquer coisa?! É claro que era uma idéia ou sensação dele. Mas sabia, tinha certeza, que “eles” existiam. E até se prestava a ter ridículas crises de ciúmes quando alguém ousava tocá-los sem o seu consentimento. Sabia que o mundo todo poderia tê-los, mas ele irritava-se profundamente com as pessoas que não lhes davam o devido valor.
Ele falou mais uma vez que os amava, porém, estavam deixando-o maluco; mesmo assim, não saberia viver sem “eles”...
Ele falava muitas coisas. Eu tentava acalmá-lo. Ele dizia que todos “eles” estavam dentro dele. Então, apontava para a cabeça e o peito – “estão aqui, você pode não vê-los; mas sei que estão”. Começou a enumerá-los com a voz alta e rouca, depois foi acalmando e quase passou a sussurrar: “Heidegger, Marx, Freud, Pessoa, Baudelaire, Balzac, Shakespeare, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Eduardo Galeano, Genet, Darwin ...” falou tantos nomes quanto pode. Dos mais conhecidos aos que eu nunca ouvi falar. Fez uma salada de épocas, de áreas-filosóficas-psicológicas-literárias-políticas-teológicas-poéticas-modernas-contemporâneas-científicas e até de auto-ajuda... Sem falar na confusão de personagens, que começou a citar, como se estes fossem seus velhos e bons amigos, conhecidos, familiares...
Quando afastei meus olhos para o longe, ele sentiu minha confusão e, então, com urgência disse que eu precisava ler o último livro que ele havia lido. Sem perceber era penetrado por um reino de escuridão, dor, alegria, gargalhadas, luz, náusea, êxtase, amor... Quis voltar, mas já era tarde. As sensações cresciam e a voz dele repetia enlouquecidas coisas doces, difíceis, importantes, doentes e verdadeiras – acho mesmo que eram verdades o que ele proferia.

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