Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Trote Universitário:


Copiei esta matéria, justamente, porque, nesta época do ano, voltamos às aulas e nos deparamos com os ditos trotes (Trotear que nem cavalo) - trotes chatos e na maioria das vezes, nojentos.  É com prazer que leio as opiniões do professor Paulo Denisar Fraga, querido mestre, que tive a oportunidade de conhecer.  Ele ensinou que a vida é muito mais que só carregar o piano... Recomendo a leitura do livro: A Violência no Escárnio do Trote Tradicional.

*****

Primeiro trote registrado no Brasil terminou em morte

Professores contam a origem do trote e afirmam a sua conotação violenta

por MARIANA NADAI | 11/02/2011
Em 1831, durante a recepção dos novos alunos da Faculdade de Direito de Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o calouro Francisco Cunha e Menezes se revoltou com as brincadeiras realizadas pelos veteranos. Na tentativa de deixar o local, Francisco foi interceptado a facadas por um dos estudantes mais velhos e morreu. A cena descrita marca o primeiro trote que se tem registro no Brasil.


Muito antes do assassinato de Francisco Cunha e Menezes, estudantes do mundo todo já sofriam com as recepções violentas dentro das universidades. “O primeiro trote que se tem registro aconteceu em 1342, na Universidade de Paris. Também há relatos de trotes na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em 1491”, diz Antônio Álvaro Soares Zuin, professor do departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor do livro O Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação

De acordo com Zuin, os veteranos faziam coisas pavorosas com os calouros. “Na Universidade de Heidelberg, por exemplo, os 'bixos' eram obrigados a se masturbar, tinham que beber urina com vinho e comer alimentos com fezes”, diz o professor. No fim dos trotes, para assegurar que essa tradicional recepção fosse perpetuada, os calouros eram obrigados a assinar um termo de compromisso de que iriam realizar as mesmas ações no ano seguinte. 


Para Paulo Denisar Fraga, professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG) e autor do livro A Violência no Escárnio do Trote Tradicional, o trote, na sua origem, estava diretamente relacionado com os estudantes oriundos do meio rural. “O trote teve seu auge na Idade Média, quando os estudantes do meio rural chegavam à universidade. Na passagem do meio rural para o urbano, os estudantes eram execrados. Para eles, havia uma bestialidade na origem dos calouros e o trote representava uma espécie de batismo para a entrada no novo mundo”, afirma.


O trote é sempre violento?


Sim! Pelo menos é o que afirmam os professores. “Os trotes surgiram como uma forma de discriminação. O termo varia em muitas línguas. No francês, por exemplo, trote é brimade, que significa maltratar. Em inglês, vem de to haze, com o mesmo sentido do francês. Ou seja, sempre com o significado de enganar ou fazer joguete de alguém”, constata Fraga.



Segundo Zuin, a origem da palavra no português está relacionada diretamente ao trotar do cavalo. “Esses animais não sabem trotar, eles são domesticados para isso. A intenção de usar essa palavra para designar a recepção dos estudantes mostra essa relação do veterano de querer domesticar o calouro, o ‘bixo’”, explica. 

Para fugir da violência, muitos estudantes tentaram saídas alternativas. Nos Estados Unidos da década de 1960, por exemplo, os veteranos passaram a trocar as tradicionais hell weeks, ou semana dos infernos, dos novos alunos, pelas help weeks (semana da ajuda). Na mesma época, no Brasil, os calouros eram mobilizados para o movimento pelas reformas de base, do governo do presidente João Goulart. “Mas o AI-5 apertou o controle sobre as universidades e contribuiu para a degeneração dos trotes”, afirma Fraga. 


Atualmente, as universidade, na tentativa de acabar com as recepções violentas, criou o trote solidário. Nessa modalidade, ao invés dos calouros terem os cabelos raspados, serem pintados, ou, na pior das hipóteses, sofrerem agressões físicas, eles são convidados a fazer boas ações, como doar sangue ou recolher roupas e alimentos para pessoas carentes.

Entretanto, na visão de Zuin, até mesmo os trotes solidários são violentos. “Claro que eles são um avanço aos trotes tradicionais, mas o termo é contraditório. Caso você não queira colaborar voluntariamente, é visto como uma pessoa chata, que não participa das atividades. Ou seja, mesmo sendo uma ação solidária, você continua sendo domesticado a fazê-la. Ele é um avanço, mas não é a solução definitiva”, diz.


Paulo Fraga não chega a ser tão radical quanto Antonio Zuin, mas, para o professor da Unifal-MG, a expressão “trote voluntário” não está bem empregada. “O uso do termo trote tem que ser abandonado, independente do adjetivo que estiver ao seu lado, como nos 'trotes solidários'. Para mim, o correto seria dizer recepções solidárias. Assim, o termo cumpre o papel de combater e ocupar o lugar dos trotes, propondo uma introdução adequada à vida acadêmica, e não a formas explícitas ou veladas de violência e desrespeito entre as pessoas”, propõe.


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Hilda Hilst



Quando se está com dor, nada mais agradável do que a literatura. Quando quero sair de mim e, assim, entrar, inevitavelmente, numa espécie de mim-outra, eu leio o que não se recomenda ler. Quando daquela melancolia insuportável, uma dor-veneno vem de mansinho comer por dentro e comer muito, então, nada mais justo do que alimentar o monstruoso e fazer um caldo, quase sopa, daquelas coisas inquietantes, angustiantes, melodramáticas, trágicas, insuportaveis, desonestas, verdadeiras, solitárias, narcisistas, egoístas... A dor da alma é obscena, por isso, vai se mostrando aos pouquinhos, depois engole você e se esconde dentro das palavras.

Fiz uns recortes de coisas da Escritora Hilda Hilst. Uns videos bem bacanas e uns livros para capturar.
A receita é esta: Hilda Hilst para que tudo seja uma grande obscenidade, inclusive Deus. Para que tudo seja, em cada momento, um júbilo. Um noviciado da dor, da vida, da vontade, do desejo...

Alcoólicas

de Hilda Hilst

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.
(Alcoólicas - I)


***
Videos:

H H Falando

Reportagem especial sobre Hilda Hilst.
(Parte 1,2,3,4)
(1)
(2)
(3)
(4)

Zélia Duncan fala de H H:


Osmo: Peça de Teatro

Cena do Filme: Do Começo ao Fim. 

***
Livros de Hilda Hilst para degustar ao som de boleros e tangos:
A Obscena Senhora D.
Poesia Completa.
O Caderno Rosa de Lori Lamby.
Cartas de um Sedutor.
Cartas de um Sedutor. (Outra versão de arquivo)
Estar Sendo. Ter Sido.
O Rato no Muro.
Contos D'Escarnio.
Biografia e Resumo de Obras.
Revista Cult - 1998.


***
Sites Oficiais da Escritora:
http://www.angelfire.com/ri/casadosol/hhilst.html

***



"Fidelidade é qualidade de cachorro." (LFT - lembrando das palavras de HH)


"Alguns doutos em ciências descobriram que quanto maior o intestino, mais místico o indivíduo. E quem mais místico que Deus? Grande Intestino, orai por nós."


"Esquerda, direita, tudo a mesma esterqueira."


"Quem és? Pergunto ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó, Depois nada."



"E por que haverias de querer minha alma na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas, obscenas,
porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo, prazer, lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando Aquele Outro.
E te repito: por que haverias de querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me."



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Onde Estivestes de Noite



Meu desânimo parece incompreensível... Uma onda de desassossego, seguido de pensamentos repetitivos. Um suspiro... e faço força para escrever, pensar no nada, respirar... Esta semana encontrei um livro de Lygia Fagundes Telles. Um livro barbada, pois, comprei pela bagatela de 3 reais. Nem acreditei, mas foi a melhor coisa que me aconteceu. Consegui ler um dos contos, chamado "Onde Estiveste de Noite?" É um relato de um momento singular da autora, uma lembrança de uma lembrança - Lembrança de Clarice Lispector. Não tenho vontade de escrever sobre a coisa, nem tão pouco, dizer nada de nada, por isso, copiei o conto de Clarice e colei ele aqui. Bem, faltou o conto de Lygia, que, na verdade, é o protagonista, mas me desculpem, agora não, depois eu procuro. Quem tiver força vai ler, quem tiver vontade vai usufruir, quem... quem... quem... Não importa. Tudo fragmentado neste momento... Ah, o conto de Clarice tem o mesmo nome, porém, não faz ponto de interrogação. Sutil detalhe compreensível. 

***

Onde Estivestes de Noite
(Clarice Lispector)

A noite era uma possibilidade excepcional. Em plena noite fechada de um verão escaldante um galo soltou seu grito fora de hora e uma só vez para alertar o início da subida pela montanha. A multidão embaixo aguardava em silêncio.
Ele-ela já estava presente no alto da montanha, e ela estava personalizada no ele e o ele estava personalizado no ela. A mistura andrógina criava um ser tão terrivelmente belo, tão horrorosamente estupefaciente que os participantes não poderiam olhá-lo de uma só vez: assim como uma pessoa vai pouco a pouco se habituando ao escuro e aos poucos enxergando. Aos poucos enxergavam o Ela-ele e quando o Ele-ela lhes aparecia com uma claridade que emanava dela-dele, eles paralisados pelo que é Belo diriam: "Ah, Ah". Era uma exclamação que era permitida no silêncio da noite. Olhavam a assustadora beleza e seu perigo. Mas eles haviam vindo exatamente para sofrer o perigo.
[...]
Aquela que de noite gritava "estou em espera, em espera", de manhã, toda desgrenhada disse para o leite na leiteira que estava no fogo:
- Eu te pego, seu porcaria! Quer ver se tu te mancas e ferves na minha cara, minha vida é esperar. É sabido que se eu desviar um instante o olhar do leite, esse desgraçado vai aproveitar para ferver e entornar. Como a morte que vem quando não se espera.
Ela esperou, esperou e o leite não fervia. Então, desligou o gás.
No céu o mais leve arco-íris: era o anúncio. A manhã como uma ovelha branca. Pomba branca era a profecia. Manjedoura. Segredo. A manhã preestabelecida. Ave-Maria, gratia plena, dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus et benedictum frutus ventri tui Jesus. Sancta Maria Mater Dei ora pro nobis pecatoribus. Nunca et ora nostrae morte Amem.
Padre Jacinto ergueu com as duas mãos a taça de cristal que contém o sangue escarlate de Cristo. Eta, vinho bom. E uma flor nasceu. Um flor leve, rósea, com perfume de Deus. Ele-ela há muito sumira do ar. A manhã estava límpida como coisa recém-lavada.
AMÉM

Os fiéis distraídos fizeram o sinal da Cruz.

AMÉM
DEUS
FIM


Epílogo:
Tudo o que escrevi é verdade e existe. Existe uma mente universal que me guiou. Onde estivestes de noite? Ninguém sabe. Não tentes responder - pelo amor de Deus. Não quero saber da resposta. Adeus. A-Deus.

AddThis