Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


domingo, 28 de março de 2010

O Crime das Irmãs Papin (Sister my Sister)


O crime das irmãs Papin foi discutido por Lacan em sua tese de doutorado em Psiquiatria, datada de 1932: Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade. O crime teve grande repercussão na França e foi, posteriormente, retratado no filme Entre elas (1994), dirigido por Nancy Meckler.

As irmãs Christine e Léa Papin (28 e 21 anos, respectivamente) trabalhavam na casa burguesa de um advogado, sua esposa e sua filha. Eram consideradas empregadas-modelo, mas não havia nenhum tipo de comunicação entre os patrões e as empregadas. As patroas eram muito rígidas, e as empregadas, consideradas misteriosas devido a seu silêncio e aos dias de descanso que passavam juntas trancadas em seu quarto.

Certo dia, quando as patroas estavam ausentes, houve uma pane no circuito elétrico da casa, causado acidentalmente por uma das irmãs. Ao chegarem as patroas, cada uma das irmãs subjuga suas adversárias, arrancando-lhes, ainda em vida, os olhos da órbita, e as espancando. Munidas de objetos que tinham a seu redor (martelo, pichel de estanho, faca de cozinha) amassam os rostos da vítimas, deixando o sexo à mostra. Cortam suas nádegas e coxas profundamente, ensangüentam o corpo de uma com o sangue da outra. Após o ritual atroz, lavam todos os instrumentos, banham-se e deitam-se na cama nuas e abraçadas. Trocam as seguintes palavras: "Agora está tudo limpo!"

Ao serem interrogadas no julgamento, não oferecem nenhuma explicação de raiva ou vingança como motivo do crime. Apenas fazem questão de assumir juntamente a responsabilidade do ato. São presas sem nenhum indício de delírio ou comportamento anormal. Algumas informações imprecisas a respeito de seus antecedentes são fornecidas por um secretário-geral e um delegado, que as conheceram na ocasião em que tentavam obter a emancipação da irmã mais jovem. Dizem tê-las considerado "meio piradas", "perseguidas". Sabe-se ainda de um pai violento e alcoólatra, que violara uma de suas filhas e as abandonara.

Na prisão, cinco meses após estar separada da irmã, Christine apresenta estados de agitação e autopunição. Em um desses episódios, tenta arrancar o próprio olho. A tentativa deixa lesões, e é necessário o uso da camisa de força. Posteriormente, indaga sobre suas vítimas, mostrando alteração na percepção da realidade. Diz que suas vítimas voltaram em outros corpos; ela mesma acreditava ter sido, em outra vida, o marido de sua irmã.

O filme Entre elas baseia-se nos fatos verídicos e se mantém fiel a estes na medida permitida por uma obra de arte. Lacan já nos falava da verdade em estrutura de ficção.
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Texto na integra:

sábado, 20 de março de 2010

Mentiras Literárias


A Psicanálise tem na literatura um ponto importante sobre a possibilidade da interpretação, “pode ser o brilho eterno de uma mente sem lembranças”, pois a linguagem é o lugar que nós mais erramos e é o lugar do limite e do infinito, ou seja, o lugar das ambivalências. Parar de pensar é algo que queremos, ora queremos esquecer, mas depois que a linguagem começa ela não para mais.
A literatura é uma questão... Porque as pessoas lêem, porque as pessoas escrevem? A literatura é uma arte e um pacto com o demônio, mostra uma mentira e os outros acreditam...
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Hum... Queres encontrar respostas? Para quais perguntas? Não sei se encontrará algumas respostas... Acha que seria uma boa idéia encontrá-las?

"...nos revelamos em nossas escrituras..." Sempre? Mesmo? Será? Quem te disse isso?

Hãm... Às vezes uma simples poesia não revela mistério algum, apenas um momento simples, de algum tempo que passou, em outro lugar, (acho que isso não é mistério, é?) sobre outras pessoas, de um outro "eu", com alguma outra música e outros pensamentos, sentimentos, apenas uma poesia sobre um instante que pouco significou que por falta de não ter o que fazer fez surgir uns versinhos, ou não, quem sabe em alguma poesia há um fato que muito significou, quem sabe, tenha esse tal mistério a ser revelado, mas pouco provável... E será que pouco provável mesmo?

Não encontrará o mistério *que procura (?), por que a (falta de coragem? Até para escrever? Será? Hum credo!) ou a vontade de esquecimento, não me possibilitou expor em minhas escritas o desejo mais secreto que tinha, tenho, desejo, mistério?? (acho que não mais agora né) até então guardado apenas para mim. Nem diários, nem agendas, nem em últimas folhas de cadernos... Não escrevi em poesia alguma meu desejo secreto, meu maior "mistério", não escrevi, não escreverei, não quero que fique em papéis esquecidos em gavetas, e também não quero que como um livro seja publicado... Apenas em mim, guardo aqui, e só.

Colaboração de

L. Poulain.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O FEMININO, A VIOLÊNCIA E O AMOR





“Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
Nas noites de inverno, jorra fumaça.
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.
Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa casa serei habitado. Nela me espera o vinho que me beberá. Muito suavemente bato na porta, e espero”.
(Eduardo Galeano – Mulheres – “Janela Sobre Uma Mulher/1)


“Não existe um significante que diga o que é ser uma mulher”.
(Lacan)



“(...) A Psicanálise não tenta descrever o que é a mulher – seria uma tarefa difícil de cumprir – mas se empenha em descobrir como a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual.”.("A Feminilidade” de 1932[1], Freud procurou responder sobre o feminino)





Nosso propósito com esta construção é falar do feminino, fazer uma interlocução com a psicanálise e a área social para que possamos dar conta do tema da violência contra a mulher, especificamente a violência doméstica. Para tanto, nos sentimos intimamente ligados à produção clínica de Freud e aos seus trabalhos sobre a histeria. Mas, queremos avisar que o tema em questão é tão amplo, que se torna difícil nos determos num único foco. Por isso nosso olhar se desdobrou – nosso olhar transformou-se num farol que quer iluminar e a tudo observar, assim, quem sabe podemos pensar algumas questões peculiares. Ou mesmo, num sentido derivado, sermos um farol que apenas quer seduzir, pois as aparências de um olho que tudo vê, pode ser falacioso... Lembrando que quem fala é uma mulher. O que quer uma mulher? Estamos no âmbito familiar. Então, que família é essa? Qual a implicação dos corpos no jogo da paixão e da violência? E o que querem os homens?

É interessante pensar que a psicanálise nasce do “encontro com as mulheres”, por assim dizer – um encontro clínico. Vários autores da área psicanalítica e afins afirmam que a psicanálise foi inaugurada pelas histéricas. Ora, nos idos de 1900, vemos irromper nas sociedades europeias as denúncias das mulheres oprimidas socialmente. As pacientes de Freud, em sua maioria mulheres, revelavam sua intimidade num encontro entre quatro paredes e denunciavam o primado do falo. Emmy Von V. disse a Freud: “Me deixe falar” e assim inaugurou a “talking cure”. Confuso, Freud não sabia, ao certo, o que as mulheres queriam dele... E Dora questionava: “O que é uma mulher?” Será que Freud, não foi o primeiro homem a suportar o grito feminino, o primeiro a dar ouvidos às loucas, malditas, bruxas, feiticeiras, cortesãs... As histéricas, por assim dizer... Com certeza, embora saibamos que o propósito, deveras era outro – era a ciência da psicanálise ou a teoria da sexualidade?!

As “denunciantes” da clínica Freudiana falavam de sua insatisfação, do isolamento, da sexualidade reprimida. Desconheciam o prazer, por vezes culpavam-se e, assim, “vomitavam”, paralisavam seus membros, tossiam nervosamente... Mulheres e adolescentes que chegavam até Freud com queixas do corpo. Meninas-mulheres destinadas ao casamento e a procriação. Casamentos de conveniências e vidas ligadas às futilidades domésticas. Mulheres de uma alta sociedade que descobriam, pouco a pouco, possibilidades sociais e culturais, como a exemplo estudar e trabalhar – uma força emancipatória – porém encontravam-se ‘esmaiadas’. E para Freud queixavam-se, não com um grito feminista especificamente, mas nascia ali, implícito o desejo de desfrutar os prazeres “proibidos” e questionar a cultura do patriarcado que estava marcado por uma decadência. Roudinesco nos diz o seguinte:


A partir de 1889, e durante um século, o pai não se constrói como tal senão porque tem obrigações morais para com aqueles a quem governa. Seu estatus lhe impõe obrigações e, caso não às observe, é capaz de naufragar na indignidade e perder seu direito a ser pai. (ROUDINESCO – FAMÍLIA EM DESORDEM – p.41)




Anthony Giddens nos diz que em 1889 a palavra sexualidade aparece publicada em um livro num sentido próximo ao que nos é hoje, ou seja, referindo-se a qualidade de ser sexual, ou possuir sexo, assim a publicação “(...) preocupava-se com o porquê das mulheres estarem predispostas a várias enfermidades que não afetavam os homens – algo atribuído a sexualidade das mulheres”. [2] O autor comenta que este fato estava relacionado à tentativa de se manter sob controle a atividade sexual feminina, pois estava à luz das preocupações da sociedade do início do século XIX. O prazer sexual das mulheres que era considerado anormal. A sexualidade, como nos diz Giddens e Foucault, “(...) é uma elaboração social que opera dentro dos campos de poder”. [3]

Pelos idos de 1920 a 1930, Freud e outros “analistas” entraram num debate sobre a psicologia da mulher. No entanto, afirmou ele, em 1928, “tudo o que sabemos do desenvolvimento inicial feminino parece-me insatisfatório e incerto”. Para Freud a vida sexual feminina tinha algo de “um continente negro”[4]. Apesar das afirmativas de Freud, era visível que ele continuava sua empreitada sobre o estudo da sexualidade e obviamente, o feminino prevalecia amplamente como um enigma, na melhor das hipóteses, um grande desafio para os estudos psicanalíticos, ainda mais se pensarmos na época vitoriana – digamos que o feminino o é, ainda, um grande desafio para a psicanálise. A passagem que segue causou um frenesi enfurecido no movimento feminista que despontava no século XIX. Ora, Inveja do Pênis?

A ênfase recai inteiramente no órgão masculino, todo o interesse da criança está dirigido para a questão de se ele se acha presente ou não. Sabemos menos acerca da vida sexual de meninas do que de meninos. Mas não é preciso envergonharmo-nos dessa distinção; afinal de contas, a vida sexual das mulheres adultas é um ‘continente negro’ para a psicologia. Mas aprendemos que as meninas sentem profundamente falta de um órgão sexual que seja igual em valor ao masculino; elas se consideram por causa disso inferiores, e essa ‘inveja do pênis’ é a origem de todo um grande número de reações femininas características. (Freud, Vol. XX (1925 - 1926) – Edição Eletrônica das Obras Completas de Freud).


Peter Gay na biografia de Freud faz a seguinte consideração acerca dos estudos psicanalíticos sobre o feminino, “(...) a caracterização da mulher como um continente inexplorado é um disfarce para que os homens se defendam, há séculos, contra o misterioso poder oculto das mulheres, qualificando todo o sexo de insondável”[5]. Ainda podemos pensar na possibilidade de uma impotência, uma insatisfação teórica de Freud, como também, na impotência do masculino para a compreensão da mulher. Bem, ainda assim, as mulheres tinham um sexo, mas sejam homens ou mulheres ama-se e deseja-se, pois a pulsão sexual não precisa de alteridade sexuada, o desejo está inscrito nos dois sexos. Roudinesco diz que “Freud introduz uma novidade na classificação, um terceiro termo, o da sexualidade psíquica fundada na existência do inconsciente”[6]. Para o inconsciente não existe feminino ou masculino, o que vai definir-se é um efeito de sentido – uma falta que se situa no significante falo, ou seja, aceitar ou não a castração. E isto vale para ambos os seres. Não se nasce homem ou mulher, embora a anatomia e a cultura sejam o destino e assim, reconhecer-se sujeito numa ou noutra posição. É preciso presentificar com o significante e inscrever uma falta estrutural, assim se dá o caminho do sujeito do inconsciente – a inscrição do desejo e a escolha do objeto.


O AMOR É UMA FALTA


“O amor é um rock e a sua personalidade é um pagode...
O amor é egoísta? Sim sim sim só cuida de si.”

- Tom Zé (O Amor) -



Porque o verdadeiro amor conduz ao ódio? Será que essa pergunta nos conduz para o desafio da violência doméstica contra a mulher? Bem, nos arriscamos nessa aproximação do doméstico, do privado e da conjugalidade e, logicamente, do afetivo; e sendo assim, das ambivalências emocionais – amor/ódio [7] – porque não dizer paixão pela morte... Pulsões de morte.

O amor é uma demanda que evidencia uma falta[8] – falta que está situada culturalmente sob os auspícios do falo. Considerando que o complexo de castração é o que abre espaço para a falta e, ainda, que a castração se dá de forma adversa nos meninos e meninas, cederíamos à ideia  provisoriamente, de que no campo das paixões, o enamoramento também se desenvolve de forma diferenciada entre homens e mulheres. Para a mulher assumir o feminino, existem três saídas: aceitar o seu lugar de objeto, ou seja aceitar a castração; negar a castração e através de uma identificação imaginária com o homem se mascarar de mulher; e, por último, ser mãe e ter o filho como um falo, ou seja, objeto de sua fantasia. Pensando por esta lógica, estaria a mulher mais exposta a paixão, ou seja, num vir a ser, numa posição de passividade, a espera de. Num encontro de. Numa busca de decifração como a Esfinge[9] parada a espera de Édipo. Confuso feminino, que precisa ser arrancado do arrebatamento do Outro materno. O amor passional é sempre feminino nos diz Gori[10].

O endereçamento de amor ao objeto Primordial carrega em si o ódio como equivalente. Ambos dirigem-se da mesma forma ao eu ou ego do sujeito. É preciso trabalhar com a perda do objeto e, para tanto, se faz necessária certa dose de agressão para se fazer sujeito autônomo, que possa responder, posteriormente, por si próprio – perder para poder tornar-se. O ódio consiste em ferir onde fomos feridos ou atingidos e, ainda, ferir-se da forma como gostaríamos de ferir um outro. Na perda do objeto amoroso um turbilhão se faz na cabeça do sujeito, a chama do ódio é incandescida. Reportamos-nos ao mito grego de Jasão e Medeia. Jasão “abandonou” Medeia, sua esposa, por conta de um enamoramento com a jovem Creusa, rica e bela princesa. Medeia, tomada de ódio e raiva pelo abandono do ser amado, não concebe perdão aos amantes. A tragédia tem seu ápice com a morte de Creusa e os filhos de Jasão e Medeia. A esposa “traída” armou uma rede de vingança na qual envolve seus dois filhos. Um crime em nome do amor. Medeia fez-se passar por amiga de Creusa fingindo perdão e apaziguamento de sua dor, no entanto, envia-lhe um belo presente envenenado que foi entregue pelas duas crianças. Medeia matou toda a família de Creusa, assim como seus filhos, para vingar-se de Jasão[11].

Em nosso trabalho com mulheres que sofrem violência doméstica, somos tentados a crer que as denunciantes, antes de serem vítimas, são também coadjuvantes de cenas de ódio e amor em suas relações. Ideia que não as culpabiliza, exatamente, como também não as eximem de participarem. O grande impasse ou contradição se faz na atuação frente ao juiz no tribunal, quando da retirada da representação judicial, pois que realmente surtiria efeito sobre o possível agressor e assim levá-lo-ia a responder por um crime. O ódio nas relações conjugais tanto pela parte de homens ou mulheres, não revelaria um tentativa de curar-se de algo? Ou seria ainda uma culpabilidade? O ódio e a raiva fazem-nos proferir blasfêmias, das mais sombrias possíveis. Tomando como exemplo um boletim de ocorrência da Delegacia de Polícia para a Mulher, onde estamos alocadas com o estágio, constatamos as mais diversas “agressões verbais”. Citamos algumas, para ilustração; “vagabunda”, “vadia”, “puta”, “cadela”, “vou te matar porque você não presta”, “você não é mulher pra mim”, “vô te cortá a cabeça”. Estas são as “declarações” mais freqüentes, que se repetem em diferentes denuncias. E não pensemos que as mulheres não declaram sua fúria apaixonada da mesma forma, pois nos BOs, também descrevem seus conjugues, se não de igual forma, semelhantes declarações são atestadas: “ele é um traste”, “um homem que não presta”, “vagabundo”, “chinero”, “bêbado, mas bom pai”, “relaxado”, “mulambo”, “vadio”, “ele não é homem pra mim” e coisas do gênero.

No inicio do texto falamos que as pacientes de Freud denunciavam na sua clínica a opressão da sociedade da época quanto às funções femininas. O que acontece contemporaneamente a partir da Lei Maria da Penha, embora num local completamente diferente, local da lei e da justiça e não de um ambiente passivo e mediador da palavra, é semelhante, se não igual, quanto ao que denunciam e o que procuram. O que querem estas mulheres? Tomando as suas descrições nos B.Os da delegacia encontramos uma falta, tanto para um quanto para o outro – primeiro uma falta de compreensão, segundo, avaliando a frase que diz “ele/ela não é mulher/homem para mim”, podemos concluir um desencontro erótico/libidinal dos corpos masculino e feminino – objetos num desencontro. Giddens[12] nos faz uma observação muito interessante, num contexto histórico dizia-se que “as mulheres queriam amor, os homens queriam sexo”. No entanto, essa observação, no mundo atual, poderia ser modificada para “as mulheres querem sexo”. Ora, após a “liberdade” sexual e o alcance de uma emancipação da mulher na sociedade contemporânea, não podíamos pensar de modo diferente, ao menos a repressão sexual feminina foi rompida consideravelmente, pois, a mulher deseja e ela é capaz de buscar o prazer sexual, como um componente básico de sua vida e relacionamentos. E então, os homens querem amor? Certamente, pois amar não é exclusividade das mulheres. Ambos tiveram amor pelo objeto primordial, assim como sentiram sua perda e cultivaram suas feridas narcísicas. Mas não estariam os homens numa posição de fragilidade frente ao domínio das mulheres e uma ascensão do feminino? Giddens[13] diz que o sexo é uma maneira de conseguir poder, então as mulheres, além de uma busca de satisfação, estariam envolvidas na busca de poder através do sexo – uma tentativa de alcance do poder fálico.

No estágio na delegacia de policia para a mulher, foi possível desenvolver um levantamento de dados, a partir dos boletins de ocorrência. Desenvolvemos um formulário de pesquisa para registrarmos dados peculiares sobre a violência doméstica. Um dos dados em específico, que vale a pena discorrer e pesquisar mais profundamente, no futuro, refere-se ao alcoolismo. Em torno de 45% dos acusados de agressão às mulheres, estavam embriagados ou sob efeito de substancias psicoativas. Um dado alarmante, supondo que este índice pode ser maior ainda, pois nem todas as mulheres declaram ou falam sobre isso no momento da denúncia.

Podemos afirmar que o alcoolismo está diretamente relacionado à violência doméstica contra mulheres. O álcool é um acelerador, um catalizador da violência. Com freqüência, a vida familiar das esposas e filhos, está às voltas com a dependência do marido, o que os torna, também dependentes ou Co-dependentes, propiciando um relacionamento específico. Giddens diz que:


(...) Uma pessoa co-dependente é alguém que, para manter uma sensação de segurança ontológica, requer outro indivíduo, ou conjunto de indivíduos, para definir as suas carências; ela ou ele não podem sentir autoconfiança sem estar dedicado às necessidades dos outros. Um relacionamento co-dependente é aquele em que um indivíduo está ligado psicologicamente a um parceiro cujas atividades são dirigidas por algum tipo de compulsividade. (GIDDENS – p.101)


Os relacionamentos permeados pelo vício, seja da bebida ou outros, comumente são permeados pelos hábitos, pela rotina cotidiana, o que também propicia recorrentes momentos turbulentos. Esta alusão de rotina ou “mesmice” é um dado presente na fala das mulheres. Um relacionamento desgastado, que na falta de amor transpõem-se ao ódio e aos apelos raivosos. Então, o ódio torna-se um elemento de cura, e, ainda assim, ligado ao amor – “o ódio enlaça o amor no abraço da ambivalência”[14]. Preserva-se um laço afetivo a partir do ódio. Neste pavoroso relacionamento de vício e ódio tende-se a evitar a intimidade com o outro; tende-se também a preservar as diferenças de gênero e as praticas sexuais não igualitárias.

Observamos que, nas audiências da Lei Maria da Penha, o “perdão” por parte das mulheres é muito comum. Elas deixam de representar e dar continuidade a um processo judicial contra seus maridos por conta da falácia: “ele prometeu que vai mudar, não vai mais beber e nem me bater”. Encontramos a mesma frase falaciosa nos dependentes químicos e alcoolistas: “Eu vou mudar”. A mesma frase vale para o relacionamento brutal onde a mulher é vitima da violência conjugal: “Para mim chega, vou mudar e sair deste relacionamento”. Aludimos à frase, o peso de uma falácia, por conta de uma carência de força, por assim dizer, pois os laços da dependência química e conjugal são muito difíceis de romper. Os participantes destas cenas têm uma fragilidade de identificação, pois constroem ligações dependentes – o vício é uma forma primária de segurança que vem do Outro. Temos, de um lado, um marido alcoolista e, de outro, uma esposa dependente da relação obsessiva. Nestes casos o amor conjugal (a compreensão), se fosse encarado como um fármaco poderia trazer, quem sabe, um respiro, uma ajuda, para a libertação dos laços viciosos. Estamos falando de um resgate afetivo dos casais envoltos em violência doméstica. Trabalho que deveria ser feito, não só com as mulheres, mas também, como prevê a Lei Maria da Penha, com os homens, autores da violência. Buscar um equilíbrio para transformar a intimidade, assim feminino e masculino possibilitarem-se viver e reinventar a vida em consonância com seus desejos.



NOTAS:


[1] FREUD – Conferência XXXIII – A Feminilidade – Vol. XXII – 1932. Edição Eletrônica das Obras Completas de Freud.

[2] Anthony Giddens – A Transformação da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas – p. 32.

[3] Ibid – p. 33.

[4] Peter Gay – Freud: Uma Vida para Nosso Tempo – p. 454.

[5] Ibid – p. 455.

[6] Elisabeth Roudinesco – Família em Desordem – p. 128.

[7] Amódio – termo utilizado por Lacan para ressaltar o enlace do ódio e do amor. “Não conhecer o ódio é também não conhecer o Amor”. (Lacan) – Apud Roland Gori – Lógica das Paixões – p. 77.

[8] Lacan ainda nos diz com sua máxima que “Amar é dar o que não se tem”, ou seja, não temos o falo.

[9] A Esfinge era mulher?! No mínimo pertencente ao gênero feminino. Talvez mesmo, a grande tragédia Edípica não tenha se dado somente, com assassinato do pai e o casamento incestuoso com a mãe Jocasta. Mas Édipo decifrou a Esfinge, a qual se joga de um penhasco após a decifração, ou seja, é o horror frente ao não saber-se, o horror frente ao sujeito humano (homens e mulheres).

[10] Roland Gori – Lógica das Paixões – p. 79.

[11] PORTAL GRÉCIA ANTIGA – http://greciantiga.org

[12] Anthony Giddens – A Transformação da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas – p. 79.

[13]Ibid – p. 81.

[14] Roland Gori – Lógica das Paixões – p. 99.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


FREUD, Sigmund. Conferência XXXIII – A Feminilidade – v. XXII – 1932. Edição Eletrônica das Obras Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. A Sexualidade Feminina – 1931 v. XXI. In: ____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica Entre os Sexos –1925 v. XIX. In: ____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. As Pulsões e suas Vicissitudes (Os Destinos das Pulsões) – 1915 v. XIV. In: ____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. Além do Princípio de Prazer – 1920 v. XVIII. In:____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. Os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade – 1905 Cap. II v. VII. In: ____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. Os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade – 1905 Cap. III v. VII. In: ____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
____. A Dissolução do Complexo de Édipo – 1924 v. XIX. In: ____ Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Freud. RJ: Imago [200?]
GAY, Peter. Freud: Uma Vida Para Nosso Tempo. Tradução de Denise Bottmanns. SP: Companhia das Letras – 1989.
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APOSTILA DA DISCIPLINA DE METODOLOGIA DO TRABALHO CIENTÍFICO. Unijuí. 2001. TEXTO DO PROJETO DE ESTÁGIO COMPOSTO PELA PROFESSORA IRIS FATIMA ALVES CAMPOS. UNIJUÍ. 2008


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