Quadro "O Pesadelo" de Henry Fuseli (1741-1825)

* A Peste Onírica é um delírio subversivo. Postamos aqui nossas réles "produçõezinhas"; nossos momentâneos surtos de divagações em nome do Real do Simbólico e do Imaginário. Estão aqui nossos ensaios para que possamos alçar outros vôos num futuro próximo. Aproveitem os links, os materiais, as imagens, as viagens. Sorvam nossas angústias, nossas dores e masquem nossa pulsão como se fosse um chiclete borrachento com sabor de nada. Pirateiem, copiem, contribuam e comentem para que possamos alimentar nosso narcisismo projetivo. E sorvam de nossa libido, se assim desejarem.


sábado, 20 de fevereiro de 2010

Maquiável e a Modernidade


“Eu acredito que a natureza, assim como ela deu aos homens diversos rostos, lhes deu igualmente diversos espíritos e diversas fantasias. Resulta disso que cada um se comporta seguindo seu gênio e sua fantasia; como, por outro lado, as próprias épocas e as conjunturas se encontram diversas, o homem que vê triunfar ad votum todos os seus desejos, o homem afortunado, é aquele que tem a chance de encontrar o instante propício a seu comportamento; e, ao contrário, o infortunado é aquele cujo comportamento não vai de acordo com o tempo e com a conjuntura.” (MAQUIAVEL – Carta a Piero Soderini, 1513.)



Neste pequeno ilustrativo da Idade Moderna, propomos um recorte, onde convocamos NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527), momento em que o renascimento revela inspiradoramente o protagonista de uma nova fase do pensamento político. Poderíamos colocá-lo entre aqueles que instauraram a modernidade, porque foi o primeiro pensador a entender o conceito de sujeito. Ele o pensou como indivíduo capaz de ser um governante, pois este sustenta o suporte do saber.

Maquiavel foi expectador de agitações e revoluções importantes, participando de manifestações evolutivas, transformadoras que o tempo demarcou para ter uma longa duração. Foi um observador atento desses tempos e participou ativamente da conturbada vida política de sua cidade, Florença. Deteve-se numa investigação minuciosa, que o fez afastar-se do pensamento especulativo, ético e religioso. Assumiu um princípio metodológico, uma especificidade, fazendo dos governantes, da história e da sociedade o objeto de seu estudo, colocando o Príncipe como sujeito capaz de saber da história e acumular exemplos os mais variados, para poder imitar um saber exterior, enciclopédico.

Permitiu ao Príncipe a leitura singular dos acontecimentos que se acumulam numa “memória histórica”, vindo a contribuir para um exercício que ultrapassa o prazer e que é uma escola sábia, atenta das coisas antigas. Ele usou analogias, fundamentando semelhanças entre situações que dão o direito de estabelecer ligações locais que fundamentam a justeza da imitação.

Inspirado no realismo cru, foi um contador de verdades. Com grande argúcia, Maquiavel descreveu as coisas que os homens fazem para conquistar e manter o poder. Ele é autônomo em sua análise; é a realidade italiana que está em questão e o objetivo de seu estudo se restringe para aquele momento específico. Ele ofereceu o que é mais importante – uma nova visão para uma nova realidade (política); uma percepção que exime o sujeito das moralidades religiosas. Maquiavel constata a divisão entre o “ser” e o “dever ser”, pois é necessário se ater à “verdade efetiva das coisas”; diz ele: “julguei mais conveniente ir atrás da verdade efetiva do que das suas aparências...”.

A sociedade é história e sua compreensão é fundamentada no indivíduo. Maquiavel analisou o que as pessoas faziam, pois o ser humano é um ser que age de uma determinada maneira (o fazer o e falar); observou que as pessoas, enquanto agem (objeto mutante), fazem e falam a história. Ele buscou, então, na história o que os outros escreveram (observaram), como por exemplo, a vida dos Césares, Papas, Padres; especificamente Tito Lívio, César Bórgia, Alexandre Magno... e constatou – nas biografias destes grandes conquistadores e governantes – o sincronismo e o diassincronismo de fatos que se constituem uma “história fértil” que está presente no agora. Estudando essas biografias, as pessoas, determinados grupos, pôde entender a totalidade de uma sociedade numa época. Poderia dizer que Maquiavel é o inventor da história social.

Para a Itália da época era necessário que o Príncipe fosse calculista e observador afim de governar com virtuosismo (virtù). Mas quem é o Príncipe? Para Maquiavel, o Príncipe é o sujeito capaz de fazer todas as manipulações necessárias, com coerência e incoerência – sujeito que faz as leis, que é o juiz e o executor – três poderes em um só homem. Lembro que os Papas também eram Príncipes – constituíam os três poderes, mais o poder divino; possuíam exércitos e procuravam ampliar e conquistar territórios – Príncipes do Vaticano. Então, um grande Príncipe é o homem capaz de agir com inteligência, transformando os fatos, as contingências, num estudo capaz de “ler” a sociedade, de acordo com o novo paradigma da modernidade (a “circunstância”). Adaptar-se ao tempo (a “fortuna”), tomar e dominar (o “destino”), pois o Príncipe é sujeito de si mesmo; sujeito do seu próprio destino.

Nestas concepções, e seguindo a idéia do esquema central, quanto mais o Príncipe souber sobre a história da sociedade, mais se liquida com o “destino”. Ele passa a ser um “intérprete”, um observador engajado, que pode/quer usufruir dos exemplos históricos. Maquiavel quis saber da fala e da ação dos poderosos, porque a história é a construtora do poder dos Príncipes – poder de inteligência.

O modelo maquiavélico é isento de moral, ou seja, não julga os atos. Ou como diz a máxima que resume sua doutrina: “O fim justifica os meios”. As ações ocorrerão de acordo com as circunstâncias (com a “fortuna”) sem considerar o divino que transforma-se em ocasião propícia (Kairós) – tempo oportuno.

Volto à idéia anterior sobre o “ser” e o “dever ser”. Ou, simplificando, o “falar” e o “fazer”. Existe um princípio de coerência e incoerência que Maquiavel observou na fala e na ação dos “poderosos”, que resultam em quatro possibilidades:

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COERÊNCIA 1) Sucesso (Bem) Falar circunstâncias
(resulta em) 2) Inssucesso(Mal) Agir - Fortuna
- Virtù
* - Destino
- Azar
INCOERÊNCIA 3) Sucesso (Bem) Falar
(resulta em) 4) Inssucesso (Mal) Não agir

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É certo que a fala e a ação estão intimamente relacionadas com a circunstância. O Príncipe não pode temer, ele tem é que manipular; calcular a sua fala e a sua ação. O Príncipe competente (virtù) pode mentir para proteger o Estado, pois o bem o e mal não existem; o importante é ser coerente com as circunstâncias (adaptar-se). Percebe-se, dessa forma, o deslocamento da subjetividade, que muda conforme a circunstância, o “ocásio”, liquidando com qualquer verdade subjetiva ligada ao divino (que é imutável). Visto, então, que o poder se constrói a partir da subjetividade, ilustro duas passagens ... fascinantes: “Não pode e não deve , (...) um príncipe prudente manter a palavra empenhada quando tal observância se volte contra ele e hajam desaparecido as razões que a motivaram”(O Príncipe, p. 112).

(...) É necessário que o príncipe possua espírito capaz de modificar-se de acordo com o que lhe ditam a direção dos ventos e o variar das circunstâncias (...) não se afaste do bem , se possível, mas saiba valer-se do mal, se necessário (O Príncipe, p. 113).


A questão do bem e do mal se deslocou para a competência em se manter o poder; os princípios morais são secundários. É de suma importância manter a soberania do Príncipe e do Estado – o Príncipe é o Estado. A soberania é construída através do cálculo, da observação e da experiência para poder encontrar o fundamento.

VIRTUOSISMO (virtù) = EFICIÊNCIA (competência)


PODER/AUTORIDADE


Análise
Cálculo
Observação

Maquiavel adotou o princípio de inteligibilidade; como base tomou as paixões humanas e disse ser necessário conhecê-las, controlá-las e equilibrá-las. O Príncipe perfeito é aquele que sabe jogar com essas paixões para equilibrar o poder. Há neste pensador o germe da subjetividade moderna, ele foi o conselheiro frio e cínico, realístico e cruel, mas não à toa; precisamos entender seu motivo primordial. É necessário encontrar o fio condutor em Maquiavel. A teoria do Príncipe aflora em nome da pátria; é um presente para a Itália, que precisa de um redentor. E ele – Maquiavel – insiste nesse redentor e, assim como em seu “manual”, as paixões que estiveram encerradas exortaram esperança no seu espírito obstinado.

Nos escritos de Maquiavel há de se observar o uso de alguns vocábulos: “Virtude” (virtù), “Fortuna” (destino), “Circunstância”, “Ocasião” – para melhor compreender as idéias que expressam faço, então, uma pequena análise destes.

A “virtude” de Maquiavel pode ser entendida como vigor, saúde, astúcia e energia. Capacidade de prever e planejar. É uma inteligência natural e imparcial, capaz de empenhar-se e sofrer para atingir uma meta. Nada tem a ver com a “virtù” cristã da igreja, muito pelo contrário, a virtude do Príncipe não é moralizadora, pois não educa e não redime, tão somente justifica o poder. É a vontade do homem que faz ela jorrar da fonte – uma vontade nua carregada de resistências, se não, um obstáculo que está predestinado – na vontade.

A “virtude” se contrapõem à “fortuna” (destino), pois esta é a ocasião; residem nela a resistência e o obstáculo; ela também é a portadora das ocasiões de agir – pode ser o fracasso ou o êxito, a mentira ou a verdade. Fortuna e virtude se encontram no “imprevisível mutável”. Mas como prever a fortuna (destino) se o cálculo e a decisão do conhecimento é limitado, neste caso? Maquiavel nos deu a seguinte solução: “metade das coisas humanas dependem da sorte, a outra metade , da virtude e da liberdade”. Talvez, em sua idéia, fosse preciso usufruir das circunstâncias, da força, para então vencer ou ter a fortuna, porque é preciso dominá-la com audácia.

Familiarizados com os termos maquiavélicos e com sua doutrina, fica claro diversos fatos que ocorrem hoje, na nossa política. Mas para nós, a sabedoria maior é a forma transcendente de análise. Precisamos ter o interesse pela reflexão. É necessário o nosso interesse pela sociedade, em observá-la, estudá-la, saber de sua história, pois só então, a questão da verdade, da liberdade poderá nos afortunar. Somos maquiavélicos, e isto, é uma virtude que significa competência.... como diria Maquiavel, “o ser humano é mutável, ingrato e dissimulado”. Ainda levaremos anos para resolver ou clarear muitas das questões humanas, como a questão da divindade – que subjaz em nossa cultura, confundindo, intrigando, destruindo e conservando...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Casos Clínicos


Blanche 44 anos de idade. Um dos primeiros estudos de Lacan, ainda como médico psiquiatra e sob os auspícios de Clérambault. O caso de Blanche foi apresentado em 21 de maio de 1931 à Sociedade Médico-Psicológica.
Segue relato:

“Sobre seu próprio corpo: ela é o quadrucéfalo de olho verde. O que a pôs no caminho é que seu sangue é perfumado. A pele se metaliza e endurece a altas temperaturas, então ela é de pérolas e faz nascer as jóias. As partes genitais são únicas, pois há um pestilo, é como uma flor. O cérebro é quadro vezes mais forte que os outros, os ovários são os mais resistentes. Ela é a única mulher no mundo que não tem necessidade de fazer toalete (...). A doente confessa práticas estranhas, faz um caldo com o sangue de suas regras: “Bebo um pouco diariamente, é um alimento fortificante”. Ela chegou no serviço com frascos hermeticamente fechados, um contendo matérias fecais, outro urina, e envolvidos em tecidos bizarramente bordados.”

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